Algumas impressões políticas pareciam bastante claras a mim
nos últimos tempos.
PRIMEIRA IMPRESSÃO: a de que mídia há algum tempo faz uma
campanha maciça contra a democracia na medida em que não politiza a crítica à
corrupção ao mesmo tempo em que faz dessa crítica o centro dos problemas,
transformando-a numa questão moral, não distinguindo as causas estruturais
tanto da corrupção quanto dos demais problemas. Ou seja, a mídia, “à la CQC”,
há muito tempo simplesmente “arde a
política no fogo do pecado”, como diz PHA. Joga tudo no saco da imoralidade
pessoal para assim deixar oculta a causa da corrupção (que, acreditem, não está
no fato de "uns estarem com Deus e outros com o Diabo"!) e deixarem indistintos os
projetos políticos quanto às questões estruturais que prejudicam o país. Quando
digo “há muito tempo” considero que desde o caso do Collor isso acontece, mas
que nos governos Lula/Dilma se agravou, dado que a direita via mídia e
judiciário encontrou no mensalão um modo de detonar o PT, abafando o mensalão
do PSDB e sendo constante e firme em seu
projeto de construir a imagem do PT não como corrupto e sim como “governo mais
corrupto da história” – um modo eficaz de dizer que as diferenças dos projetos
no que tange às questões sociais são
praticamente nulas. (A despeito do Brasil no governo Lula/Dilma ter sido o único
país além da China que, de acordo com a ONU, diminuiu a mortabilidade por Fome, leia-se
Miséria - em 40%. Seria uma diferença
pouca???).
SEGUNDA IMPRESSÃO: a de que o governo precisava avançar para
além dos grandes feitos no que tange a tirar o país da miserabilidade e partir
para as reformas estruturais que todos da esquerda sonham há tanto tempo.
TERCEIRA IMPRESSÃO: a de que tal avanço estrutural estava
constantemente e irritantemente sendo barrado em nome de um tal PIB para não
deixar o país cair numa tal crise do capitalismo internacional que traz
justamente desemprego e miséria.
QUARTA IMPRESSÃO: a de que tudo isso teria que ser pincelado
por mim lendo artigos aqui e ali, ou seja, de que o governo não tem um canal de
comunicação que nos permita entender o que está fazendo e porque está fazendo.
QUINTA IMPRESSÃO: a de que isso tudo estava irritando
bastante não somente a mim, mas a tantos e tantos movimentos sociais, ou seja,
o governo também estava pecando na falta de diálogo direto, não mediado.
Nos primeiros dias em que vi o povo nas ruas me felicitei, tal
como muitos colegas que pensavam parecido comigo: era o momento da esquerda
cobrar da Dilma uma respostas às nossas expectativas para além dos avanços (enormes!!)
na redução da miserabilidade. Exigir a redução das tarifas de transporte nos
permitia exigir um posicionamento combativo contra o domínio do poder econômico
nas tantas e tantas áreas estruturais do país. Era a ponta de lança em nome de
uma guinada à esquerda. As primeiras manifestações de fato pareciam indicar
isso. As esperanças renasciam.
De repente, entretanto, a coisa ficou obscura. Bastante
simbólica foi a mudança de posicionamento de um dos jornalistas mais
reacionários do Brasil, Arnaldo Jabor. Da crítica aos manifestantes ele então resolveu
tentar pautar o movimento dizendo algo do tipo: achei que vocês fossem idiotas combatendo
a máfia do transporte por R$0,20 centavos (ou seja achei que fossem idiotas
combatendo o domínio do poder econômico nas questões sociais) Mas, que nada! Percebi
que vocês são inteligentes: querem é combater apenas corrupção e ”sabem” que a corrupção
é simplesmente o governo – e não a estrutura (ou seja, percebi que se vocês se
voltarem só para a bandeira anti-corrupção e anti-governo os conservadores/capitalistas
podem ganhar muito com isso!).
De repente, então, aqueles que queriam combater o domínio do
poder econômico e exigir da Dilma mudanças estruturais à esquerda se viram ao
lado de bandeiras conservadoras. Hein? Foi então que me lembrei de que havia esquecido
da PRIMEIRA IMPRESSÃO: da campanha anti-corrupção feita de modo superficial
pela mídia e que exaltava o poder Judiciário – aquele que até hoje não julgou o
mensalão do PSDB e que tal como qualquer poder político do Estado capitalista é
corrupto – como o poder salvador da pátria, sob a figura de um indivíduo moral
Joaquim Barbosa.
O susto foi grande. Cogitei sair das ruas. Se for pra
retroceder, melhor tomar cuidado. E então comecei a observar melhor. Na verdade, apesar da mudança do Jabor ter sido
também uma mudança da Globo em geral, o movimento não era completamente
conservador. Pés no chão: não é só um movimento exigindo uma guinada à
esquerda. E mais pés no chão: não é só um movimento conservador da direita. Não
é um movimento só de pacíficos e nem só de vândalos. Não é um movimento só de
pacíficos anti-vândalos, tem também só de pacíficos pró-vândalos. É um misto. É
um movimento que se volta contra os símbolos do capitalismo, é um movimento que
tem bandeiras conservadoras, é um movimento que detona a Globo/mídia, é um
movimento que quer aparecer na Globo/mídia, é um movimento que quer a guinada à
esquerda, é um movimento que quer a guinada à direita, é um movimento de
apartidários anarquistas, é um movimento de apartidários fascistas, é um
movimento de apartidários que nem sabem o que querem no lugar dos partidos e
julgam não terem a responsabilidade de responder a essa pergunta quando
combatem os partidos. É um movimento que se mascara como Anonymous que parece
mais distante do Anonymous internacional que qualquer desmascarado. É um
movimento cara limpa que se recusa fazer aliança com Anonymous. É um movimento
de coxinhas. É um movimento de socialistas. É um movimento por mudanças.
Pés no chão é um “balaio de gatos”. Pés no chão: sair das
ruas é a pior opção.
No meio desse balaio, começam a sair pautas de
reivindicações. E minha impressão é péssima. Com tanta coisa urgente e
necessária, as pautas se mantêm no nível da moral superficial e não da estrutura
política, não da mudança profunda, nem mesmo quando trata a corrupção. E de
repente a coisa começa a virar. A Dilma anuncia, apresenta e faz aprovar os
royalties do petróleo para a educação e saúde. É aprovada a lei que torna a corrupção
crime hediondo. E, principal, Dilma vai a fundo no que de fato pode mudar a
estrutura da corrupção: é preciso fazer
uma Reforma Política!!!
E agora estamos no ponto em que separamos o joio do trigo.
Como não poderia deixar de ser, a Globo
faz campanha indireta contra a Reforma Política. Depois de estimular os
movimentos sob a bandeira “à la Arnaldo Jabour”, agora a Globo considera que o
povo é incapaz de participar do processo: “Fazer Reforma Política é perigoso!!!”
Leia-se: acabar com a possibilidade dos acordos econômicos eleitoreiros e
mafiosos que permite os firmes tentáculos do capital sobre os políticos é
perigoso! Os conservadores gritam na Globo através da voz dos seus cientistas
políticos cheios de medo. Daqui a pouco
chamam a Regina Duarte para nos lembrar do perigo!!!
PHA traz um temor
contrário ao dos conservadores e que se assemelha ao meu: e se a Reforma
Política for de novo pra gaveta??? Pela falta de comunicação efetiva, pode
ser que muitos caiam nessa conversa da
direita-Regina Duarte. E então talvez não consigamos fazer essa Reforma
Política. E então talvez ficaremos a vida inteira tendo que ouvir do povo cheio
desse medo global continuar gritando contra corrupção por uma eternidade e a
Globo cheia de poder falar contra a corrupção numa cara lavada que faz inveja a
qualquer máscara do Anonymous. É que, diz PHA, “Desde 1994, a
Globo controla 80% de toda a verba da televisão aberta. Nenhuma
Democracia do mundo permitiria que a lei que regula a rádio-difusão não se
atualizasse desde 1963. Em 1994, ela tinha 80% da audiência. Hoje,
tem 45% da audiência. Mas, não faz diferença. Os 80% só os mesmos
e o bolo da grana aumentou. E agora ?"
E agora? E
agora que sigo com esperanças!!! Porque esse movimento nas ruas, como eu disse,
não se resume a abraçar as causas do Jabor, mas também o escorraça. É um balaio
de gatos e tudo pode acontecer. Não é que eu tenha ilusões de que a Reforma
Política não possa dar errado, ser tomada pela direita no meio do caminho. Mas
penso que o importante é, pelo amor de Deus (!), que ela leve de uma vez por
todas um solavanco para começar!! E então disputemos democraticamente o seu
tom! Se não for agora, não será nunca!
E espero
que o governo não precise que peçamos que se faça imediatamente a
democratização da mídia!!
Como sou
cheia de esperança, já parto para a campanha pela outra pauta urgente depois que
garantirmos a Reforma Política. "Próxima, por favor... Reforma Agrária!”