Foi mais ou menos assim… Eram os meus primeiros dias de
faculdade. Não me lembro bem em qual deles, eu achei aquela chinesa instigante. Ela me deu medo. Um
pouco porque sempre fui medrosa e um pouco porque eu conseguia enxergar por
trás da sua estrutura física fina e delicada uma força fogo. Na verdade, o seu
semblante firme expressava muita certeza e assustava essa de cá, sempre incerta
de tanta coisa. Os meus olhos vagavam para cima...
Ela passou um caderninho para deixar mensagens e escrevi
algo completamente abstrato com uma intenção de aproximação. Não sabia porquê,
mas queria ser amiga daquela estranha. Acho que talvez eu quisesse aprender a
ser forte. A ser altiva e firme como eu a via. Começamos a ser amigas e eu nem me lembro bem da fase inicial. De repente já era super amiga e pronto. O que eu não imaginava antes era
que com ela eu aprenderia não exatamente a ser forte, mas simplesmente a gostar
das minhas dúvidas. Que com ela eu aprenderia não exatamente a ser firme, mas a
gostar de ser lúdica. Não sabia que com ela não iria aprender a ter o controle,
mas a gostar de arriscar. Não sabia que com ela eu não iria aprender a ser
campeã, mas simplesmente a gostar de jogar. Ou a gostar de ser ridícula para
tantos. A gostar de ser completamente gente. Pelos corredores da faculdade
saíamos do sério, completamente fora das etiquetas e aprendíamos os maiores
jogos de linguagem do universo. Finalmente alguém que falava mais do que eu e sem
pedir licença. Alguém que entregava-se ao pranto ou à gargalhada sem vergonha e
sem perder a altivez. Alguém que revelava a filosofia como uma brincadeira de
criança, me transportando para os meus 10 anos de idade.
Quando eu quis me aproximar daquela chinesa instigante, eu
jamais imaginava que existia um ser
humano tão completamente humano. Não sabia que alguém podia ser empatia o tempo todo.
Eu não sabia que era possível a tão pura lógica ser mais completamente amor e receptividade
do que imposição. A gente aprendeu a compartilhar nossas infinitas teorias
sobre o mundo, mas ela me ensinou o desvalor da pura razão perante o poder do
corpo. A gente aprendeu a exercitar a sagacidade intelectual, mas ela me
ensinou que o amor e energia são mais convincentes. Não consigo explicar tantas
coisas que ela me fez saber des-sabendo... Ela me fez descobrir que vale a pena
mais sabores e cores do que o familiar, que os sentidos nos trazem mais vida
que as teorias, que a natureza traz maiores respostas do que as bibliotecas, que
não há vida fora da comunhão e da elaboração criativa... O que eu aprendi com
ela foi algo completamente inesperado e maior que o herdado em todos os anos de faculdade:
eu aprendi a voar. De alma e de corpo.
Essa chinesa linda que continua me instigando até hoje me
fez saber, sobretudo, que a vida dentro da vida não vem de graça: cada segundo
é um segundo de resistência ao moinho dos sistemas que nos chegam prontos e absolutos.
Ela é simplesmente como flor que brota em pedra. Ela é rara como a
beleza e o nome que traz: Lian. Tem
aquela luz de poucos. É por isso que no seu aniversário eu sempre faço, ao meu
modo, uma prece. Agradeço ao universo esse belo presente do acaso e me emociono
por saber que Lian vaga por aí de chinelos de dedo brotando em pedras e
inspirando liberdades.
Pensei que tivesse comentado esse texto ontem e só agora vi que apaguei o comentário e não escrevi nada. É que eu sempre quero te falar com silêncios. Um silêncio longo de amor e gratidão profundos por nossos caminhos entrelaçados. Os aprendizados sempre tiveram você ao lado, aprendemos juntas jogando os mesmos jogos de linguagem, ainda que o jogo fosse calar, tecer, brincar. Agradeço sempre à vida pela nossa amizade, que me mostra a possibilidade clara de comunhão.
ResponderExcluirQue lindo seu texto Julia e que linda amizade *-*
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