sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tatiana: o amor majestoso


Ela nasceu, digamos assim, como uma revolução. Porque embora tenha sido planejada, gestou-se de um caos para formar-se em maravilha. Mas é revolucionária que nasce a Natureza em sua completude: toda razão e lógica explode em fantásticas reviravoltas de emoção. Só assim transfigura-se deslumbrante em cores, formas e sentimentos indescritivelmente belos. É nesse todo de reviravoltas que ela é profunda e abraça o universo como a mais caridosa mãe. Tentar entendê-la capturando um momento ou uma parte é perder sua grandeza, ou seja, é perder sua essência: a capacidade de se refazer refazendo a todos para si e em si. Natureza que é, ela é majestosa. Cheia de segredos. Centelha que chora em rios, mas renasce em sol. Tormenta que se revira, mas retorna-se em raiz maternal que protege todos os galhos e folhas das tempestades. Como revolução que nasceu,  revolução é.

A frondosa Natureza é ela toda uma mulher.Tatiana fez-se da relação de amor entre a mata amazônica e guerrilheiros por um mundo mais justo e bonito. Como fruto-Natureza, fez filha ao mesmo tempo em que fez-se mãe do mundo inteiro, herdando assim a revolução de sua raiz: ser ao mesmo tempo o princípio e o futuro, a semente e a sombra, água e luz que alimenta. Ainda bebê ela fora a nutrição para os seus pais em amor e reconhecimento de humanidade. Ainda adolescente ela fora a segunda mãe de suas irmãs cuidando da segurança, carinho e educação. 

A sua essência de um todo-mãe reviravolto é a própria Natureza: não se sabe com razão, mas se faz por emoção. É por tormentas que ela segue seu fluxo de querer cuidar dos frágeis seres humanos como se fossem seus próprios filhos. É por tormentas que ela segue seu fluxo de não conseguir deixar de sentir na pele o que o outro sente. Afinal, a frondosa Natureza também quer ser filha e é nesse todo que está sua alegria e dor. E ela faz maravilhas ainda que passando pelas angústias do parto. Majestosa e misteriosa como natureza-mata-amazônica também é toda sol, linda, radiante e estonteante após as tempestades. Não poderia deixar de ser esse misto porque é grande como a própria Natureza, traz a dialética do rio revolto que tudo arrasta e do caos que pare uma estrela dançarina. E de um doce cativante a qualquer um que permite-se conhecê-la e simplesmente deixar-se ser por ela. Casa-se Plínio, faz João e Nina, e ainda permanece um oceano de tesouros raros.

Ela retraduz com a altivez a grande mãe e o grande pai - guerrilheira por humanidades. Ela retraduz com feminilidade a grande Natureza: não se trata de entender razões e sim de gerar amor para além de qualquer lógica. E é esse amor que abraça. Amor que cura. Amor que une. Amor que nos sustenta sem saber-se esteio. Sem saber-se grande como é. Tal como a própria grande natureza não se sabe, Tatiana também nem imagina tamanho ar, água e nutrição é de tantos. Quem dirá o meu... Hoje, no dia do seu aniversário, insuficientes são as palavras para dizer-lhe: te amo, te amo, te amo.




sábado, 7 de dezembro de 2013

Suposições sobre mim

 (Da série: divagações de adolescência em baú -2005 - e que jamais se queriam publicados no momento em que foram escritos. Inspirado em algum texto, não me lembro qual.)

 * Tenho espírito livre

Quase não caibo em mim
Sou bicho de 7 cabeças
Todo tempo é pouco

* De uma vez só

Algum trocado pra dar garantia
Algum veneno antimonotonia
Brincar como criança e amar como uma dança

* Amo os loucos não declarados

Desconfio dos que se dizem pirados
Desejo amor ao ser e não ao ter
Desejo para todos trabalho em tempo curto e diversão na maior parte do dia

* Venero o tempo.

Há que se ter tempo para exercer a liberdade
Há que se ter justiça para se ter tempo
Há que se ter espelho para exercer a justiça
Há que se ter coragem para não olhar de cima pra baixo ou de baixo pra cima

* Estereótipos não me atraem

* Ironias não me convencem

* Liberdade é amor ao humano

Odeio a liberdade privada
Odeio a paz que é medo
Odeio o autoritarismo travestido de liberdade

* Quero criar

Sentar na grama e mexer com tinta
Voar com o outro
Ser (não)inteira como uma música





O espaço entre-bolhas

(Texto do baú de 2005, para o projeto "Bolhas", revista eletrônica).         

As bolhas, apesar de serem transparentes, trazem um sistema muito complexo de coisas trançadas, embaralhadas, as quais formam um todo com alguma uniformidade. Uma bolha não tem nada de vazio. Na verdade, bolha é exatamente o oposto do que podemos conceber como vazio. Quando conseguimos gritar em nossos corações uma palavra de ordem que defina nosso ânimo ou até mesmo quando conseguimos dizer para alguém uma opinião que temos com muita convicção, estamos fazendo árvore. Quer dizer, antes deste processo muitos detalhes se multiplicaram e se envolveram um no outro. Embora na maioria das vezes seja difícil ou simplesmente não aconteça de compreendermos todo o entrelaçamento, não há dúvidas de que ele existe e começou pequeno. Ou de algum nada. A prova disso é justamente a nossa certeza, quer dizer, a nossa condição de encontrar uma palavra, e até mesmo de formar uma frase, que faça um sentido muito lógico, ao menos para nós.
Fiquei pensando durante muitos dias sobre algo a dizer que não fosse falar sobre o clima, os afazeres diários, as surpresas da rotina. Algo assim como um todo, um sentimento, uma verdade. Algo que se pudesse escrever em um cartaz, em um outdoor, quer dizer, algo que fizesse sentido ou importância suficiente pra dar vontade de dizer para outros. Outros não apenas fora de mim, mas completamente distantes de qualquer idéia daquilo que sou. E não encontrei nada. Mas como explicar que nada é mesmo nada, que simplesmente não havia sentido em qualquer palavra ou frase, se nem mesmo acho possível um nada no sentido mais puro? Acho que a melhor explicação é dizer isto: quando digo nada não quero dizer sem sentido, mas sim sem um importante sentido para uma bolha qualquer. Importante é um sentido que para os outros também é interessante e compreensível, que possui um todo. Não tenho pretensão de que alguém aceite ou mesmo compreenda quando eu digo que não encontrava nada com sentido importante e por isso considerei simplesmente isso ser um nada. Eu sei que isso aconteceu num momento e foi completamente diferente de tudo o que eu já havia passado nas minhas experiências pessoais. Senti-me des-pertencida a qualquer bolha. Não pedi “socorro”, mas acho que teve tudo a ver com aquela música do Arnaldo Antunes em que ele diz que não está sentindo nada.
Percorreu-me o pensamento de que talvez fossem todas as bolhas vividas anteriormente que tivessem algo de muito religiosas e que, de repente, fosse simplesmente isso: eu havia entrado numa bolha em que não há fé cega e nem grito. Mas isso foi assustador demais pra mim e escapou a qualquer idéia que eu tinha de bolha. Não posso concordar que exista uma bolha assim, sem fé em coisa alguma e que não queira nem mesmo querer. Porque penso que uma bolha tem sempre uma força que a rege como princípio, mesmo que este princípio não seja compreendido.
Escrevo agora porque este momento passou. E acho que, agora, conseguindo escrever e concatenar coisas com algum sentido mais unificado, penso que as bolhas não são grudadas. Bolhas devem ser mesmo como aquelas de sabão que sopramos no ar. E podem até se grudar às vezes. Adentrarem-se umas nas outras. Mas não é regra que elas sejam grudadas. As bolhas flutuam em algum espaço que é não-bolha. Ainda que elas fossem grudadas, se forem mesmo redondas (e acho que são mesmo redondas, pois assim se movimentam e fluem com mais facilidade, e é assim que as bolhas da vida funcionam) temos que considerar um espaço entre as bolhas que não é bolha alguma. Este espaço não-bolha possui coisas soltas, não sistematizadas. Coisas que fazem sentido apenas quase encerradas em si mesmas e por isso não se declaram como um sentido, como uma bolha. Não conseguem de fato se conformarem num sentido maior. É como aquelas respostas pra perguntas que não respondem às perguntas, mesmo que usem as mesmas palavras também presentes na pergunta referente.

O espaço entre-bolhas, ou espaço não-bolhas, é apático. Nada solicita e não assume qualquer não solicitação. Chega a ser quase um recalque, mas não o é, pois isso seria excede-lo, que dizer, isso já seria “bolha” demais para ele. É simplesmente um entre-bolhas, lugar onde não é nada confortável de se estar.                                                                                                                                                                                                                   

A dança do Bosque Auguste de Saint Hilaire

(Artigo experimental para o Jornal Samambaia - UFG, 2005)        

  Em maio a barriguda tem flor. E suas folhas vão caindo. Quando for tempo dos frutos amadurecerem, ela já deve estar totalmente desfolhada. Enquanto isso outras árvores nos fazem sombra com suas copas verdinhas e cheias.  No Bosque-Saint Hilaire do Campus Samambaia a dança é assim: cheias e despidas, verdes e coloridas, folhas caindo em algum lugar. Folha, desfolha, desfolha, folha: “nunca a queda das folhas é uniforme” – afirma o Professor Doutor José Ângelo Rizzo. Ele explica: “é uma cobertura característica da região centro-oeste e chama-se Floresta Semidecídua Estacional”.
O Bosque Saint-Hilaire resultou de uma fragmentação ocorrida há muitos anos em uma região de área verde maior, resultado da urbanização. É um fragmento com aproximadamente 20 hectares, uma das poucas áreas com vegetação primitiva no município de Goiânia. Seu nome homenageia o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve em Goiás no início do século XIX e atuou em benefício da conservação dos recursos naturais desta região. O bosque possui permanente política de preservação desde a década de 60 e hoje está totalmente integrado, não degradado. Esses são dados da Unidade de Conservação da Universidade Federal de Goiás, dirigida pelo Professor Rizzo. As trilhas ecológicas, as mesinhas e bancos instalados, as placas que trazem o nome científico de várias plantas são mecanismos administrados pela Unidade para permitir uma interação saudável com a natureza: “sem prejudicar a estrutura da mata, que deve se manter em processo de recomposição normal”.
A proteção de tela que envolve o bosque não impede a circulação das pessoas dentro dele. Árvores, estudantes, professores, macacos e outros bichos convivem em harmonia. Os macacos, que se mantiveram nesse fragmento verde, pulam de galhos, carregam filhotes nas costas, atravessam os caminhos. E quem passa sempre pelo bosque aprende a lidar com eles. Seja dividindo ou escondendo o lanche.  “Uma vez um deles roubou uns biscoitos de peta que eu estava trazendo da FAV”  afirma a estudante de jornalismo Lian Tai.  “Já vi eles várias vezes revirando o lixo, até refrigerante eles tomam”, conta o ex-estudante de filosofia Relton Júnior. Mas bolachas e refrigerantes não são aconselháveis para a dieta destes diferentes primatas. De acordo com o Professor Rizzo existe a idéia de se fazer um projeto que pesquise a situação da população dos macacos no local para a elaboração de políticas de controle: “sem um predador a população pode crescer muito e não ter condições de se alimentar”, afirma. Para a Unidade, só depois desse estudo será possível resolver a insuficiência de alimentação na flora, possivelmente através de um plantio de árvores frutíferas. Isto sinaliza que as latas de lixo seletivo, que de acordo com Rizzo foram instaladas para iniciar um aprimoramento da coleta seletiva, continuarão por algum tempo sendo reviradas pelos macaquinhos, assim como as latas comuns distribuídas pela UFG.
Pesquisas como a de levantamento da população dos macacos precisam ter a autorização da Unidade de Conservação para serem realizados. A coleta de aves para o “Estudo Integrado para o Conhecimento da Ornitofauna do Estado de Goiás”, por exemplo,  só pôde ser feita no Bosque Saint-Hilaire após aprovação da direção da Unidade. Assim como o projeto “A escola vai ao bosque”, que permite que as escolas da rede municipal e estadual tragam estudantes para aulas de educação ambiental na mata.
A conservação do Bosque Auguste de Saint-Hilaire objetiva a preservação da vegetação primitiva de uma floresta semidecídua estacional, que é típica da nossa região. Além disso proporciona, é claro, que os bichos cruzem nossas trilhas e que a dança continue. Pois depois das Paineiras, tem a floração dos ipês amarelos, roxos, brancos...


Inconstâncias de ontem

(Da série: divagações de adolescência em baú - 2005 - e que jamais se queriam publicados no momento em que foram escritos)

         Vou fazer uma linha de fios de cabelos bem selecionados, pegar uma agulha que caiba na cabeça todos os desejos e irei tecer as mais belas vestimentas para todos os meus dias! Quebrarei o inconsciente em pequenos pedaços e os farei virarem argila, a minha matéria prima para todas as máscaras que ficarão guardadas atrás do meu espelho e que saltarão sobre mim nas manhãs finitas, mesmas.
Somos múltiplos em nós. Não se pode dizer “sou” em uma só pessoa. É claro que temos cada um gostos e valores próprios, mas nada é tão constante. Somos surreais demais para dizer. Tenho minhas dúvidas se ainda podemos dizer sobre existência de essência. Aqueles que conhecem alguém podem até dizer: é essencialmente alguém bom, com opiniões assim, de tal caráter, etc. Mas isso não deixa de ser o que esse alguém demonstra, aparenta. Ninguém pode conhecer dentro de si ou dentro dos outros um centro imutável.Somos tudo e nada, todos e ninguém, com tendências a escolhas e mínimas compreensões.
Eu entendo quando Clarice Lispector diz que cada dia é um dia roubado da morte. E que não se deve procurar entender demais, pois viver ultrapassa todo entendimento. Não se trata de parar de procurar respostas. Mesmo que elas não existam, a busca torna o caminho mais interessante de ser percorrido, pois ele é pensado de formas redondas, quadradas, triangulares, tridimensionais... E viver é fazer sentido. É por isso que a arte sempre nos salva de todas as perdas. O que é esmagado pela civilização ainda pode sair dos fundos de alguma maneira e se exteriorizar nela. E isso constrói uma comunicação até com aqueles que não sabem dizer o que é ou que simplesmente se negam a assumir que existe. Pensamentos presos e escondidos, perguntas e reflexões que se fazem talvez mais em cores e sons do que em palavras dentro das cabeças! As concepções sempre podem girar dentro, mesmo que em movimentos invisíveis.
            Encontrar uma definição para mim e meus sentimentos: esta é a busca mais difícil. Já não se pode mais confiar em causas definidas. Talvez seja simplesmente uma dor de cabeça que eu não sinto, mas que me traz temor e tristeza. Talvez jamais poderei saber exatamente o motivo de minhas insatisfações, tensões, um mal estar... Devo fazer o exercício de falar, falar e falar como receita a psicanálise no caso de “sintomas” de um inconsciente que não se deixa conhecer? Será que o que chamam de essência não seria o inconsciente? Mas... sou uma construção inacabada de material desconhecido e todos os dias preciso tirar do espelho o “ser”. Meu ser. O que sou vem de onde? É uma verdade ou uma escolha ? Como se no menu do dia meu lado escuro e misterioso escolhesse um sentido e me obrigasse a consumi-lo por longas horas. Se vejo as coisas de uma maneira inconstante, não é minha culpa. Pelo contrário, sou uma vítima do que teço e desconheço: eu. Agora estou grudada em um dia novo cheio de dúvidas. O que virá amanhã?
            Ter certezas sobre mim? Impossível. E pra que? Às vezes me exalto querendo ter certezas sobre o outro. Um risco mais enorme ainda. Somos cada um as prolongações de nossas bagagens imanentes e esquecidas e ainda trazemos uma enciclopédia de signos distintos. Nossas escolhas se misturam com a dos outros. Sinta o sabor disso, isso é o mais gostoso, veja essa cor, sinta esse cheiro... Me disseram que o mais gostoso era diferente.  Talvez isso nos resolva, talvez nos detone, talvez misturemos todas as escolhas... A cada momento tecemos vestimentas diferentes. Minha mistura, a mistura do outro... E sigo. Vou tecer sempre outras inconstâncias. Minha mais bela vestimenta deve vir cheia de paixão. Às vezes parece que o que eu mais desejo é acabar com o mistério.  Mas acho que não acredito em revelação. Quero apenas transgredir.