domingo, 19 de setembro de 2010

Platão, linguagem e democracia

(O texto abaixo trata-se de um trabalho para uma disciplina da faculdade)                      

Quando o pertencimento de sangue, classe social ou a competência do saber especializado deixam de contar como critério para a participação na decisão da vida em comunidade, temos a realização de uma novo princípio: o democrático. A criação do regime de isonomia realizada pelo grego Clístenes será porém a centelha não só deste grande valor político,
mas também da eclosão de uma questão filosófica que por muito tempo definirá a própria filosofia e que - ainda - nos colocará um enorme desafio político. Se todos na pólis podem dar sua opinião e se cada falar é tão legítimo quanto o outro, sendo princípio democrático justamente essa legitimidade que independe de formação especializada sobre o assunto de que se fala, a capacidade de usar a linguagem de modo a persuadir se impõe. Impõe-se também o desligamento do dizer com a verdade, do logos com o ser, da linguagem com as coisas. Segue-se daí as mais diversas relações entre os homens e a idéia de verdade, mundo real, coisas em si. E o grande problema da relação entre linguagem e política.

O choque de Platão com a morte de seu mestre Sócrates reforça o choque com a gravidade dessa cisão do logos com o ser, na medida em que este homem condenado à morte pela própria cidade demonstra ser o mais comprometido com a moralidade e o bem público. Esse incessante ato de dizer, de ser cidadão pelo falar - de ter prestígio pelo melhor discurso - inaugurado pela democracia ateniense gera contraditoriamente um descompromisso com o que é justo, bom e moral na medida em que é possivel persuadir sem estabelecer necessariamente conexão da fala com uma verdade . Platão segue seu mestre na busca da adequação do logos com o ser. Mas enquanto Sócrates o faz através do seu incansável questionamento o que é justiça, o que é piedade e outros o que é com fins a simplesmente fazer na prática o que é justo e bom, Platão vai além deste nível. Ele tira as últimas consequencias do ato filosófico de Sócrates, que é a tentativa de reunir o diverso em definições únicas, fazer as diferentes opiniões e multiplicidades se reduzirem a uma única verdade. A sede por esta verdade única, um uno a que se pudesse recorrer para alcançar os conceitos, que devem definir a essência das coisas, fazem Platão definir uma ontologia do inteligível com existência independente da multiplididade do sensível. O dualismo ontológico de Platão é erigido, portanto, no seu esforço de obter

garantias contra os profissionais do falar, do seu desejo de se libertar de tantos múltiplos, tantas opiniões que se fazem valer sem de fato estarem de acordo com as coisas reais. Pois este fazer-se valer pelo mero ludibriamento de palavras postou-se como algo muito grave, revelou-se capaz de levar os homens a grandes confusões e a absurdos, a exemplo, extremamente chocante e instigador, da condenação do grande mestre Sócrates.

A linguagem e o ser, o dizer e a verdade, o logos e as coisas, eis terrenos que a filosofia não se cansará de relacionar e realizar. O exercício da democracia é que teria levado ao grande escândalo de separação entre eles – separação da qual nasce o filosofar - ao promover uma “evolução da natureza do logos” (tal como considera Christophe Rogue). Platão relata nas Leis um tempo em que logos e ser eram unos apresentando num sonho o tempo perdido em que os pastores das montanhas, os sobreviventes do dilúvio, ao falar, diziam exatamente o ser. Em alguns textos gregos o logos por vezes é apresentado como um dom dos deuses, embora nos deuses o logos permaneça unido com o ser. De qualquer modo, o uso do dom da linguagem é um problema relacionado com a política por sua própria natureza. No mito relatado por Protágoras, a linguagem não só é um dom divino, mas também um dom que nasce relacionado com a arte da política. A doação da arte da política aos homens é a “solução definitiva” encontrada por Zeus para o risco de extinção da espécie humana que, por confusão dos próprios deuses, teria ficado despida de outros dons animais de defesa. Se os homens decorrem de um erro divino, a distribuição do pudor e da justiça apresenta-se como a melhor remediação deste “erro”. Zeus teria sido complacente ao perceber que sem o dom da política os homens jamais poderiam sobreviver, pois, na medida em que só unidos podiam se defender, sem a política acabariam por se violentarem uns aos outros e extinguiriam-se por conta própria.

É pela necessidade de estarem em comum unidade que tal dom igualmente teve de ser comum: diferentemente de todos os dons que os homens receberam, o pudor e a justiça não poderia ser distribuído desequilibradamente entre os homens. Tais dons se realizariam através do logos, dado que a construção da vida política passa pela linguagem . Trata-se de um reconhecimento do logos na política num princípio da democracia: todos devem poder falar. E é através do uso da linguagem que se realiza a arte da política.

Mas a política pela democracia cai, entretanto, numa espécie de arapuca que ela mesmo cria. Pois se é através da política que se deve decidir e realizar o que é bom para a pólis, o uso reiterado da linguagem no modo democrático gera um tal descolamento do logos que a pólis acaba por se guiar não mais em vista do bem público, mas do melhor discurso enquanto techné. A busca da verdade una exercitada por Platão será uma tentativa de evitar os desvios da pólis do que é justo, moral e bom em decorrência de melhores técnicas de retórica. Politicamente podemos dizer que este desafio que a armadilha democrática sugere está presente ainda hoje. Afora a solução de Platão, que acaba por sugerir um governo não democrático, mas guiado por filósofos, cabe-nos ainda perceber, pelos trilhos que ele percorre instigado por este problema, como a discussão filosófica da verdade e do logos, em um esquema ou não de adequação, tem profunda relação com o modo que fazemos - e o modo que desejamos fazer - política.

Se a linguagem é neutra, e assim se (re)afirma no exercício democrático, podendo ser utilizada para defender opiniões opostas, para Platão, cabe à filosofia ser a linguagem normativa que deve realizar a união entre o que é ético e o que se diz que é ético. Platão realizará a filosofia neste papel diferenciador das outras construções da linguagem dando sequência à insistência de Sócrates em mostrar a diferença entre saber e saber falar. A democracia é a pretensão de que todas as opiniões são legítimas desde que saibam falar. Na democracia saber falar basta para todo saber e Sócrates defendeu o exato contrário: o saber falar é a ruína do saber na medida em que bloqueia a busca do saber verdadeiro pela própria pretensão de que já se sabe. Platão irá argumentar que a cidade ébria de logos se torna mais suscetível a se levar por tiranias, o que seria um desembocamento contraditório da democracia.

Sócrates argumenta que a existência do saber especializado demonstra a possibilidade de o saber estar em um e não em todos. Seu argumento é reforçado pelo próprio fato das assembléias democráticas atenienses por vezes buscarem opiniões dos técnicos para decidirem sobre determinado tema. Se a própria democracia reconhece por vezes a superioridade da techné, por que considerar legítimas as opiniões da multidão em detrimento do saber especializado? No diálogo com Protágoras, Platão, através de Sócrates, reconhece uma techné da logos justamente para inverter a pretensão da legitimidade do falar da multidão. Enquanto o sofista Protágoras defende essa pretensão democrática no argumento de que a logos pode ser ensinada a qualquer um, Platão apresenta-se contra a democracia justamente pelo mesmo motivo: se a logos é uma techné, um saber especializado, deve-se recorrer não à logos da multidão, mas ao especialista. E, considerando que toda techné deve ser aplicada a fins determinados e que os fins da política é o bem da polis, então deve-se recorrer ao especialista em adequar a techné – instrumento – aos fins que se pretende.

Platão irá admitir, assim, uma techné da logos, mas de modo diferente do sofista Protágoras. O verdadeiro saber falar para Platão é o uso da logos em acordo com o ser. Admitindo a arte do falar, o logos como techné, cabe estabelecer critérios para este saber – visto que se diferencia da empiria – e relacionar esta techné a fins específicos. Daí Platão evocar na República a discussão de tais fins como dados dentro ou fora da própria techné e defender, por conseguinte, uma hierarquia de saberes e a existência de um saber supremo que estabelece os fins aos demais. Este saber supremo seria uma techné que deve dar razão às outras technés: a filosofia. O acordo com Protágoras contribui para a justificação de um governo dos filósofos: estabelecendo o logos como techné, pode-se afirmá-lo como devendo ser objeto da filosofia.

Devido à cisão entre linguagem e ser, há diversas sugestões da logos como techné além da de Platão, que são exatamente aquelas contra as quais ele se levanta e que, por isso, são apresentadas nos seus textos. Enquanto Platão está preocupado com um discurso que diga o ser, os discursos de aparência se preocupam com a utilidade do logos segundo o favor do momento. A retórica é o discurso que se esforça para agradar a multidão e é a técnica mais direta de poder. A sofística e a erística já se arrogam o dizer do ser, o que se demonstra ainda mais perigoso para a filosofia, pois embora se pautem em recursos, demonstrações e contradições inerentes à própria linguagem, tais discursos apresentam a pretensão de adequação a um saber universal e de conexão entre o logos e o ser do mesmo modo que a filosofia.

A aparência de saber, a racionalização vã, a falta de rigor nas coerções da linguagem que vencem e refutam sempre, são denunciados por Platão não só por não conduzirem a nenhum saber, mas também por serem responsáveis na geração de uma decepção. Tal decepção seria fonte de ceticismo e relativismo. Platão não se convence pela idéia do homem como medida de todas as coisas, ainda que sua idéia de uno em suas obras de maturidade cedam na ontologia do inteligível ao estabelecer maior relação deste com a sensibilidade. A mudança da concepcão do dualismo ontológico por Platão não irá em nenhum momento significar a desistência de dizer o ser. Platão não se contenta com a linguagem como mero instrumento de designação – indicação – das coisas do mundo sensível. Também a sensação de cada um sendo diferente uma da outra não estabelece diferentes realidades, pois se todos os discursos forem verdadeiros e não houver mais possibilidade de verdade, a idéia de realidade deixa de existir. Platão nega a idéia do homem como medida de todas as coisas como auto-refutável: se todos os discursos são verdadeiros, também o é aquele que diz que o homem é a medida é falso.

Independentemente de como os diferentes pensadores localizarão a questão da linguagem e do ser, cabe uma reflexão importante que herdamos de Platão acerca do uso do logos que se situa nos mesmos motivos que impulsionaram Platão em sua filosofia. A linguagem no mero exercício do falar deve ter legitimidade para estabelecer o que é bom para todos? Se não, o que determina que não se dê um mero exercício do dizer (considerando todos os perigos das diversas technés do logos) em nossa democracia? Aqui, a teoria (se encontra com a) prática.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lei ficha-limpa: a negação da democracia (texto atualizado)


Admira-me ler matérias sobre o caso ficha limpa com pretensão de objetividade, quando já sabemos que o jornalismo íntegro deve se pautar pelo posicionamento claro.  A aplicação do ficha limpa nos termos da idéia que ele encerra não é nova. A emenda constitucional nº 1 e a Lei complementar nº 5 feitas pela ditadura militar inauguraram esta “grande idéia” de cassar direitos políticos e proibir a elegibilidade de alguém julgando sua vida pregressa, ou seja, sem o trânsito em julgado da sentença condenatória. A lei do ficha limpa pode vir a ser - se já não é - uma das formas mais eficazes de coibir a disputa eleitoral dos cidadãos por simples discordância política e ainda de reforçar o caráter de classe da democracia (economicizar ainda mais a política) - visto que os que não puderem "comprar"  o tal colegiado de juízes estarão fora da disputa.

A lei do ficha limpa não é de modo algum reforço da democracia, pois esta supõe, por princípio, a isonomia e a possibilidade de voz a qualquer cidadão, independentemente da sua vida pregressa. Aliás, os gregos atenienses iam bem mais longe, pois até os "erros" cometidos pelos cidadãos em caráter privado eram deixados de lado quando o assunto era o exercício da vida pública na política democrática. Ficha-limpa é a negação do princípio de que cabe aos cidadãos de qualquer formação social, educacional ou profissional - e não a juizes especialistas -  fazer as escolhas de quem serve e de quem não serve para a vida pública. Princípio este que (re)põe a democracia como participação real do povo na vida pública e não a delegação deste exercício político - que deve ser estimulado e aprendido pela própria reiteração da ação de participação - aos "especialistas". No sentido grego, portanto, o ficha limpa em nada reforça a democracia, muito pelo contrário.


No sentido atual, em que pela modernidade já se misturou a economia no próprio exercício da política, e as instituições não se resguardam da corrupção exatamente pela distância do povo da participação efetiva do "cuidar do bem público", menos ainda podemos dizer que a lei ficha-limpa contribui. A lei estabelece e estimula exatamente um maior afastamento em relação a este cuidar, ainda que o movimento pela criação e aplicação desta lei demonstre ser o contrário. A contradição aí é inerente: exatamente a aproximação do povo da vida pública, a preocupação com o cuidado das instituições comuns se estabelece na apresentação de um projeto que justamente retira do próprio povo o "cuidar do bem público". É como se negar livremente a possibilidade de exercício da liberdade. (Não poderia deixar dizer que isto é típico do deste sistema capitalista, pois nele mais que nunca reina a máxima contraditória liberdade = não liberdade). Será que o exercício da cidadania e participação democrática só pode se dar dessa maneira que nega a si? Estaríamos tão carentes de ver/estabelecer uma participação efetiva dos cidadãos na vida comum que devemos concordar (e além do mais, exaltar) uma participação que clama por ser não-participativa, não responsável? Não tenho ilusões de que tudo isso não seja sintomático do próprio capitalismo. Mas digo aqui do ponto de vista daqueles que não concordam e não argumentam nestes termos. Digo em termos de política no sentido democrático, de democracia enquanto conceito e definição. A lei do ficha-limpa encerrada nestes termos de política clássica em si já seria absurda.

Mas como mencionei a modernidade, tenho ainda que acrescentar o argumento nos termos de crítica no próprio capitalismo. Neste sentido a lei ficha-limpa é reforçar/estimular a elitização eleitoral. Na medida em que é fato que sob esse sistema as instituições são altamente corruptíveis, delegar a um grupo de 3 juízes (no caso 2 já são maioria) o poder de acatar ou não denúncias de corrupção sobre um cidadão que queira disputar as eleições é, no mínimo, facilitar que a disputa favoreça os mais ricos. Pois, se já hoje a disputa favorece os mais ricos, isso ocorre a nível de financiamento das campanhas eleitorais. Mas o ficha-limpa facilita (barateia os custos) para os mais ricos possibilitando que se elimine o adversário na pré-disputa, já o retirando do páreo. Denúncias infundadas + Dinheiro + Juízes corruptíveis viram receita certa para vencer o adversário definitivamente, visto que o povo como juiz sai de cena através da lei. E - voltando ao sentido grego, conceitual - não deveria ser o povo o dificultador da não realização da democracia plena pela própria presença popular na cena da escolha?

Talvez as distinções entre esquerda e direita estejam mesmo matizadas. Mas se ainda é possível falar nelas - e eu sou otimista justamente por ainda as considerar válidas a ponto de demarcá-las aqui - há algum adjetivo que não consigo encontrar para denominar o que é a esquerda apoiar uma lei como esta que tem claras conseqüências - de caráter de classe - de maior elitização das instituições públicas. Ingenuidade? Retórica? Alienação? Oportunismo eleitoral? Não sei mesmo como qualificar o fato da esquerda apoiar este projeto. Não tanto por relacionar a esquerda com a democracia (relação que demonstrou-se historicamente não teoricamente e praticamente necessária), embora eu concorde com essa união de maneira muito particular, mas por relacionar a esquerda a uma luta a favor dos menos favorecidos.


 Na verdade,  se  o ficha limpa é um projeto de natureza não democrática pode-se afirmar sem erro: é de natureza totalitária, tirânica ou, no mínimo, oligárquica. E, por isso, destino esse texto, se não tanto a toda a esquerda, mas pelo menos àquela que lutou contra a ditadura. O que vejo hoje é que o ficha-limpa é exaltado tristemente até mesmo pela esquerda que tanto lutou pela queda do regime militar. Questiono: a luta da esquerda  é essa?  Trocar o regime militar pelo regime dos que podem comprar 2 juizes na guerra política da acusação sem provas? Transferir a decisão das questões políticas do sufrágio universal para o judiciário enquanto instituição comprovadamente corruptível? É essa a "democracia" pela qual a esquerda tanto lutou?

Apesar das polêmicas geradas pelo meu texto anterior, o que me fez reescreve-lo com mais calma na exposição dos meus motivos de ser contra o ficha-limpa, seria muito proveitoso ver opiniões que queiram me convencer do contrário. Deixo abaixo alguns links de bons artigos sobre o assunto.



Aguardo, sinceramente, opiniões que tentem mostrar que o ficha-limpa seja democrático ou não elitista.

Voilà!

sábado, 27 de março de 2010

Algo sobre Rousseau

Resolvi tentar publicar algum artigo meu. E não é que aceitaram? Pra não dizer que não falei de Rousseau...
http://www.revistaindice.com.br/julialemosresumo.htm

sexta-feira, 12 de março de 2010

China: primeiras impressões

Os dias andam corridos e sem inspiração ou, simplesmente, vontade de escrever para o blog. Como a Lian é minha guardiã de coisas que começo e não dou continuidade, ela sugeriu que eu postasse algumas impressões  que tive e registrei durante meus primeiros dias na China, em janeiro. Então, para quem ainda não leu, aí vai...

"Janeiro de 2010 - China: primeiras impressões

Há alguns dias desembarquei na grande China, ou “Império do meio” e alguma coisa, como parece estar escrito nos ideogramas...

Desde que nasci meu pai fala da China como o grande país do futuro. Ele morou em Beijing durante um os anos de chumbo do Brasil e os ares da revolução cultural chinesa. Ele aprendeu um pouco do mandarim e táticas de guerrilha para lutar pela democracia em seu país natal. Desde então em tudo o que vai fazer tenta incluir a China no meio. Lançar minha irmã como cantora no ano novo da China, mandar minha outra irmã, Tati, estudar um ano na Universidade de Beijing, ler Mao Tse Tung quase todos os dias e, nos últimos anos, fazer comércio. China pra lá, China pra cá, todos da família já haviam estado aqui em algum momento, menos eu. Agora chegou a minha vez!

Pela previsão do tempo, -16 graus Celsius, confesso que fiquei temerosa de vir. Mas não resisti à oportunidade, claro. E ainda bem! Por mais que tenha ouvido falar sobre a China durante vários anos, visto algo em filmes, documentários e livros, não há como descrever o que esse país é. Minha irmã Tati talvez tenha utilizado a melhor frase nessa tentativa: “É um outro planeta!” Só agora consigo compreendê-la bem! Tantas impressões erradas, pequenas diante de tanta grandeza, tanta falta de imaginação e de possibilidade de pensar em algo assim... Não sei bem o que dizer, e como dizer, sobre tudo o que estou vendo nestes poucos dias por aqui. Vou tentar escrever um pouco sobre as primeiras impressões. Nada muito compromissado, apenas como turista completamente perplexa mesmo, que é como me sinto neste momento!

Ao desembarcar em Beijing nem acreditava que havia chegado. Tanto tempo dentro de aeroporto, avião, que nem mesmo o luxo de uma viagem como essa consegue impedir o imenso cansaço. E a sensação de que realmente se está indo para o outro lado do meu mundo! Pegar malas, taxi, chegar ao hotel, passar pela confusão do fuso horário... E ainda manter um grande sorriso por dentro pela surpresa a cada passo: China!

Após o alívio em se descobrir que não só não morreremos de frio como ainda iremos gostar do clima “refrescante”, a verdadeira estadia começa. Aqui o céu está o tempo todo cinza, acho que pela mistura do frio com a poluição. Mas a suntuosidade de Beijing não dá prá esconder.

Os prédios aqui são grandes, grandes e bota grande nisso! Diferentes, modernos, vistosos. Cada um dá vontade de parar pra tirar uma foto, mas não caberia muito bem no quadradinho. A arquitetura é bem misturada e às vezes muito maluca e diferente de tudo, tudo o que já vi. São Paulo vira apenas mais uma cidade diante da grandeza de tudo isso aqui. As avenidas são quase todas muito largas, lembrando um pouco as de Brasília. Tento comparar, mas é bem difícil.

Aqui tem grandes shoppings, mas são muito interessantes e chamam atenção pela variedade . às vezes penso que não deve ter moda por aqui, pois tem de tudo, pra todos os gostos possíveis e inimagináveis e de muita qualidade e também luxo. Quando minha mãe veio em 1994 só vendiam água em estado quase fervente, não se encontrava água gelada pra beber. Hoje a maioria das coisas que vejo por aqui não se encontra no Brasil. Pelo menos não com tanta variedade e qualidade. Fomos a shoppings populares de coisas bem baratas e nos mais luxuosos. O último que fui hoje deixa a grande Galeria Lafayette de Paris bem simplória. Não só falando em grandes marcas consagradas da moda européia, mas em outras novas e bem refinadas.

Nos shoppings populares, que é onde se deve comprar de verdade, temos que pechinchar bastante. Uma banca atrás da outra e, quando paramos pra olhar alguma coisa, as chinesas vendedoras já se aproximam falando em bom inglês o quanto queremos pagar. Melhor não perguntar a elas o preço, pois a partir de então elas não irão desistir mais. Nos seguem, nos seguram, nos puxam a roupa, não nos deixam ir até fechar negócio. E a oferta é grande!!! Me parece que a lei é aumentar um zero a mais no preço. Quer dizer, se elas dizem que um tênis custa 250 yan é porque podemos comprá-lo por 25 yan, desde que pechinchemos bastante. E vale a pena. Pois a quantidade de coisas que se pode encontrar de qualidade de réplica de marcas conhecidas é enorme. E de coisas bem chinesas e muito lindas também. Bolsas, chapéus, camisetas, tênis, óculos, carteiras, etc, etc....

No primeiro dia que chegamos fomos a um mercado, na verdade uma espécie de feira. Ficamos surpresos com a variedade de comidas estranhas. Algumas coisas nunca tínhamos visto na vida, algumas eu nem sei bem o que eram e outras até conhecíamos, mas de um modo muito diferente. Desde que entramos neste mercado até hoje identificamos um cheiro típico da culinária chinesa. Está em todos os centros de alimentação e às vezes os perpassa. Também um sabor relacionado ao cheiro. Nos causou alguma estranheza no começo, algo que não sabemos dizer se gostamos ou não. Ontem fui com o Fernando e a Sissi comermos pizza e identificamos uma espécie de semente no tempero e descobrimos daí a origem do cheiro! Sissi disse-nos que é uma pimenta preta, mas não sei qual o nome disso no Brasil. Mas agora sabemos pedir quando não queremos esse tempero, o que facilitou um pouco nosso paladar!

Tenho que parar um pouco para falar de Sissi. Ela é filha de uma amiga do meu pai, que é intérprete, e morou dois anos em Portugal. Ela fala um bom português e foi nos buscar no aeroporto e nos ajudar com tudo mais. Sissi já foi chegando bem despachada, como se nos conhecesse há anos. E essa foi a impressão que tive dela, o que nos trouxe uma rápida intimidade. Ontem eu e Fernando resolvemos sair com ela ao final da tarde e ela agora anda abraçada comigo o tempo todo. Abraçada mesmo, às vezes até cola o rosto no meu! Sissi me lembrou outras chinesas que conheci através do meu pai no Brasil e me levou à certificação de uma impressão já antiga de uma pureza de sentimentos que eles possuem. Nao fazem muita sala para se aproximar quando gostam da pessoa e expressam de modo muito espontâneo e intenso essa amizade. Não temem um sentimento de frieza do lado oposto. Falei com Sissi que os chineses eram um povo muito receptivo e aberto, diferente dos europeus. Ela não concordou, disse que são bem fechados e fiquei pensando nisso. Talvez sejam mesmo fechados no sentido de serem meio “carrancudos” e desconfiados num momento inicial. Mas quando por algum motivo se identificam com a pessoa estão dispostos a oferecer a ela a amizade mais pura e sincera, que não pede em troca.

Posso estar errada, mas vendo os programas de televisão chineses e o senso de humor que eles têm, percebo uma certa ingenuidade, o que me soa mesmo como uma pureza de sentimentos. Nada idealizado ou perfeito, simplesmente diferente de tanta malícia que estou acostumada a ver no Brasil e em tantos lugares. Aqui os filmes e “novelas” são muito singelos e com pouco preconceito no sentido de piegas, essas coisas. No clipe da MTV chinesa o garoto chora quando a menina coloca uma flor com alfinete no seu casaco. Coisas assim...

Bom, vou ficando por aqui e vou tentar escrever um pouco todos os dias pra não acumular muita coisa. Ainda nem comecei a parte das visitas turísitcas/históricas. Imagine só...Mas cito abaixo algumas curiosidades até agora e posto algumas fotos.

CURIOSIDADES BEIJING:

- Os taxistas quase todos ouvem novela chinesa no rádio e é muito engraçado, mesmo sem entender o que o locutor está dizendo

- Os taxistas cobram sempre 1 yan a mais do preço da viagem devido ao custo do óleo do carro

- A maioria dos mictórios públicos femininos não tem vaso sanitário e sim mictório “feminino”, ou seja, buraco no chao!

- Os chineses são muito honestos no comércio cotidiano, quer dizer, sempre correm atrás para devolver o troco, não gostam muito de gorjetas, essas coisas. Ah, e os taxistas não ficam dando voltas mesmo sabendo que somos estrangeiros.

- A cidade é extremamente limpa, não se vê lixo no chão mesmoooo!

- Todas (ou quase) as avenidas possuem ciclovias

- Durante o inverno eles tampam um determinado tipo de árvore. Colocam um “capuz” de pano em cada uma delas, o que fica muito engraçado, parecendo múmias nos jardins!!!

- Alguns sites aqui são proibidos, barrados pelo governo. Não dá pra entrar no facebook ou you tube, por exemplo. Ou mesmo no meu blog, que é blogspot!

- Existe suco de mirtilhas!!

- O modo como contam o dinheiro é único.

- Pode parecer óbvio, mas tenho que dizer: os chineses são completamente diferentes uns dos outros, acho até que consigo delinear alguns tipos de grupos de traços bem diferentes.

- Não consegui achar shoyo nos restaurantes ainda, embora deva ter, é claro!"
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 A quem interessar, postei algumas fotos da viagem aqui > http://picasaweb.google.com.br/lemos.julia

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Intervalo...

O ano já começou cheio de surpresas e muitos planos. Uma viagem incrível me espera e ainda tenho uma prova de doutorado pela frente. Talvez fique um tempo sem blogar, mas não abandonarei esse espaço. Essa também é uma meta para 2010!!!