sábado, 7 de dezembro de 2013

Inconstâncias de ontem

(Da série: divagações de adolescência em baú - 2005 - e que jamais se queriam publicados no momento em que foram escritos)

         Vou fazer uma linha de fios de cabelos bem selecionados, pegar uma agulha que caiba na cabeça todos os desejos e irei tecer as mais belas vestimentas para todos os meus dias! Quebrarei o inconsciente em pequenos pedaços e os farei virarem argila, a minha matéria prima para todas as máscaras que ficarão guardadas atrás do meu espelho e que saltarão sobre mim nas manhãs finitas, mesmas.
Somos múltiplos em nós. Não se pode dizer “sou” em uma só pessoa. É claro que temos cada um gostos e valores próprios, mas nada é tão constante. Somos surreais demais para dizer. Tenho minhas dúvidas se ainda podemos dizer sobre existência de essência. Aqueles que conhecem alguém podem até dizer: é essencialmente alguém bom, com opiniões assim, de tal caráter, etc. Mas isso não deixa de ser o que esse alguém demonstra, aparenta. Ninguém pode conhecer dentro de si ou dentro dos outros um centro imutável.Somos tudo e nada, todos e ninguém, com tendências a escolhas e mínimas compreensões.
Eu entendo quando Clarice Lispector diz que cada dia é um dia roubado da morte. E que não se deve procurar entender demais, pois viver ultrapassa todo entendimento. Não se trata de parar de procurar respostas. Mesmo que elas não existam, a busca torna o caminho mais interessante de ser percorrido, pois ele é pensado de formas redondas, quadradas, triangulares, tridimensionais... E viver é fazer sentido. É por isso que a arte sempre nos salva de todas as perdas. O que é esmagado pela civilização ainda pode sair dos fundos de alguma maneira e se exteriorizar nela. E isso constrói uma comunicação até com aqueles que não sabem dizer o que é ou que simplesmente se negam a assumir que existe. Pensamentos presos e escondidos, perguntas e reflexões que se fazem talvez mais em cores e sons do que em palavras dentro das cabeças! As concepções sempre podem girar dentro, mesmo que em movimentos invisíveis.
            Encontrar uma definição para mim e meus sentimentos: esta é a busca mais difícil. Já não se pode mais confiar em causas definidas. Talvez seja simplesmente uma dor de cabeça que eu não sinto, mas que me traz temor e tristeza. Talvez jamais poderei saber exatamente o motivo de minhas insatisfações, tensões, um mal estar... Devo fazer o exercício de falar, falar e falar como receita a psicanálise no caso de “sintomas” de um inconsciente que não se deixa conhecer? Será que o que chamam de essência não seria o inconsciente? Mas... sou uma construção inacabada de material desconhecido e todos os dias preciso tirar do espelho o “ser”. Meu ser. O que sou vem de onde? É uma verdade ou uma escolha ? Como se no menu do dia meu lado escuro e misterioso escolhesse um sentido e me obrigasse a consumi-lo por longas horas. Se vejo as coisas de uma maneira inconstante, não é minha culpa. Pelo contrário, sou uma vítima do que teço e desconheço: eu. Agora estou grudada em um dia novo cheio de dúvidas. O que virá amanhã?
            Ter certezas sobre mim? Impossível. E pra que? Às vezes me exalto querendo ter certezas sobre o outro. Um risco mais enorme ainda. Somos cada um as prolongações de nossas bagagens imanentes e esquecidas e ainda trazemos uma enciclopédia de signos distintos. Nossas escolhas se misturam com a dos outros. Sinta o sabor disso, isso é o mais gostoso, veja essa cor, sinta esse cheiro... Me disseram que o mais gostoso era diferente.  Talvez isso nos resolva, talvez nos detone, talvez misturemos todas as escolhas... A cada momento tecemos vestimentas diferentes. Minha mistura, a mistura do outro... E sigo. Vou tecer sempre outras inconstâncias. Minha mais bela vestimenta deve vir cheia de paixão. Às vezes parece que o que eu mais desejo é acabar com o mistério.  Mas acho que não acredito em revelação. Quero apenas transgredir.


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