quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Capitalismo, socialismo e comunismo (I)




A queda do muro de Berlim ou o fim da URSS nunca me pareceram boas justificativas para a afirmação de que o socialismo e o sonho por um mundo melhor tenham chegado ao fim. Acho prematuro historicamente e simplificador afirmar que o socialismo morreu ou comprovou sua inviabilidade por suas falhas diversas nas experiências vividas. Também me impressiona a suposição que transparece nas reticências que imagino ter na afirmação de que o socialismo não deu certo: a de que o capitalismo sim teria se comprovado como um sistema econômico-político de sucesso. Nunca se afirma, ao descartar a possibilidade do socialismo, que o capitalismo também não deu certo. Gostaria de acreditar que a exaltação ou apatia em relação ao contexto capitalista se desse somente por aqueles que de fato lucram com esse sistema. Mas tenho que admitir, infelizmente, que a descrença no socialismo como alternativa parte até mesmo daqueles que se indignam com as conseqüências de uma organização social que se pauta sempre pelo capital.

Diante desse fato, acho que a primeira questão que deveria ser levada em conta não é a alternativa ao capitalismo e sim a realidade dele. Alguém em sã consciência poderia concordar que este sistema que mantém 2/3 da população na miséria deu certo? Que é um sucesso? A não ser aqueles que estão cegos por sua individualidade de vantagens ou pelas ideologias próprias do mercado, ninguém poderia. Estaríamos então diante de uma única afirmação passível de ser consenso: bom ou não, o capitalismo se instaurou e se firmou. Solidificou-se de tal forma que parece loucura acreditar que irá simplesmente desaparecer tal como os sistemas anteriores. Na minha opinião só mesmo o velho Marx pode demonstrar que esse devaneio não é ilusório e que no capitalismo tudo que é sólido, um dia, começa a se desmanchar no ar.


Poucos como Marx acreditaram tanto na necessidade do alto desenvolvimento do capitalismo no mundo para que se tivesse um dia uma organização econômica e política mais humana e menos animal. Embora Marx tenha defendido, em uma carta-resposta ao seu crítico Annenkov, que talvez nem todos os países precisassem passar pelo capitalismo, ele considerou que a existência deste sistema por muito tempo no planeta era não só a realidade possível como também indispensável a fim de desenvolver diversos aspectos que um dia tornasse a si mesmo (ao próprio capitalismo) completamente desnecessário e também insustentável. Esse posicionamento de Marx gerou tantas interpretações quanto são as correntes de esquerda, centro ou direita que se distribuíram no mundo: Eduard Bernstein foi o pai da social-democracia, Kautsky pai do economicismo, Lênin da esquerda política revolucionária, Stálin da ditadura tecnicista, Trótsky do internacionalismo, Gramsci da transformação pela educação, Korsch do movimento autogestionário, etc, etc, etc. Embora todas essas correntes se encontrem em algum ponto, elas defendem práticas tão diversas que me levam a pensar como é possível afirmar que o socialismo simplesmente não deu certo. Não seria preciso distinguir, antes de mais nada, de que tipo de socialismo está se falando ao se confirmar sua falência? Além do mais, considerando que esteja se tratando da experiência soviética, será mesmo possível dizer que não deu certo ou não teve sucesso simplesmente porque foi engolida pelo capitalismo?

Trata-se da compreensão que se tem do que é, afinal, sucesso. O velho jogo de linguagem de que falou Wittgenstein pode justificar tanta confusão que, na prática, leva a decisões e posicionamentos políticos lamentáveis. Se falarmos em sucesso do ponto de vista de permanência temporal ou vitória sobre o capitalismo mundial, até podemos concordar. Mas antes é preciso dizer de que tipo de sucesso se está falando. Porque o jogo de linguagem para este significante irá variar nas diversas complexidades sociais: suprimento de necessidades sociais a nível animal, suprimento de necessidades além das animais, exercício da liberdade, participação política, qualidade de vida, desenvolvimento da ciência, tecnologia, nível educacional, interação com o meio ambiente natural, dentre outros.

Marx não defendeu que o Estado como aparelho político de sustentação da burguesia terminaria com a revolução porque seria destruído, mas sim que tal aparato simplesmente desapareceria com o tempo e daria lugar a um outro sistema, o comunismo. Como em sua opinião esse desaparecimento seria gradativo, chegaria o momento em que uma revolução far-se-ia necessária no intuito de acelerar o processo. A revolução não seria o fim do capitalismo e início do comunismo, mas sim a passagem para um sistema entre sistemas. O socialismo seria como um sistema de passagem, em que hora se pareceria mais capitalista e hora se afirmaria mais como possibilitador do comunismo. Não há ditadura do proletariado no comunismo de Marx, já que não há classes neste sistema.

Penso que as diversas discussões em torno da obra de Marx se dá justamente acerca do que seria tal gradação. Embora eu não tenha uma opinião fechada acerca dessa questão, considero ter compreendido em meus estudos que o ponto nodal acerca de tal gradação se dá em torno da compreensão dos conceitos forças de produção e relações de produção, mais especificamente, nos (não)limites entre tais conceitos e na forma como a superestrutura social adentra a infraestrutura por meio das relações de produção.

Podemos dizer que a experiência de socialismo no leste europeu dos últimos anos, sob determinados moldes de interpretação do que seja socialismo, sucumbiu. Quanto ao sucesso desta experiência, em comparação à Marx e ao capitalismo, é um outro debate. Falarei sobre isso no próximo texto para não ficar muito extenso.

Mas antes quero dizer algo: as minhas maiores motivações para pesquisar esse assunto são duas. Uma é social, relacionada à minha indignação com tanta desigualdade e miséria. A outra é bem pessoal, relacionada ao meu desejo de direito à preguiça, ao ócio, ao livre exercício dos prazeres, do não aprisionamento utilitarista das minhas capacidades e desejos. Embora essa segunda motivação seja mais individual, ela também não deixa de ser coletiva. A realização do ser em sua humanidade só pode mesmo se dar quando a humanidade se realizar nos seres, quer dizer, do ponto de vista humano só é possível realizar a máxima libertação e afastamento da condição animalesca quando as necessidades de comer, beber, se vestir, ter abrigo já não forem problemas que demandem tempo a ser resolvido.

Nisso Marx é apaixonante. Ele é um filósofo da práxis que trata do tempo em todos os prismas: materialidade, invólucro, valor, fetiche, exploração, desigualdade e possibilidade de liberdade na relação do homem em ação. Marx estudou a realidade, de fato, do tempo. E é o tempo que envolve, no final das contas, a possibilidade de se poder construir e dar um sentido à vida, não só à minha vida, mas à de toda a humanidade.

(Continua...)

3 comentários:

  1. ah dona júlia. bom saber que o tempo passa - e como passa! - e eu continuo achando bem interessante o que se passa por aí. beijo grande!

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  2. Julia, seu texto é interessante e eu concordo no essencial de seus comentário sobre o fato de que o socialismo não morreu.
    Mas o que gostaria de dizer é que o próprio Marx disse que sem a ditadura do proletariado não se pode chegar ao comunismo. Ou mais concretamente, ele fala que o capitalismo não cai por si só, mas que ele engedra uma solução que só pode ser aplicada por uma força estatal muito potente e consciente, capaz de levar a fase avançada do capitalismo a entrar forçadamente na trilha do comunismo, atraves da força, força essa que levará um bom tempo de aplicação e cujo periodo aplicado chama-se socialismo. Ou seja o socialismo é um sistema acima de tudo político, de força bruta, de ditadura, ("ditadura do proletariado", para usar as próprias palavas do Marx (carta a Weidmeyer). Pois bem, esse sistema socialista ou essa ditadura do proletariado tem como tarefa primeira completar a tarefa inacabada do capitalismo de eliminação da propriedade privada dos meios de produção. Ou o que é o mesmo, simplesmente eliminação da propriedade, porque propriedade comum é a não propriedade. Antes pode passar por propriedade coletiva pública-privada, propriedade coletiva e finalmente propriedade comum ou não propriedade. Assim o socialimo é um estado muito forte, que surge como produto de uma revolução e que destroi o exercito dos proprietario, seus sistema politico e seu judiciario, suas leis, etc e em seu lugar constroi um poderoso exercito (isso mesmo homens armados, especialmente preparados e treinados para matar outros homens), constroi outro poder político e jurídico e assim, com essas ferramentas inicia sua primeira tarefa qe é justamente de expropriar os expropriadores de propriedades privadas dos meios de produção. Ou em outras palavras, os capitalistas cujo maior troféu foi desapropriar a quase totalidade da humanidade, tomar-lhes os meios de produção, são agora expropriados. E para evitar qualquer tentativa de retorno, pratica a violencia e etc. Depois o socialismo, ou seja os produtores despossuidos e agora armados e donos do poder, passa a realizar as tarefas em nivel de desenvolvimento economico, desenvolvimento das forças de produção, que o capitalismo, na sua etapa superior de imperialismo, não consegue mais fazer, qual seja: transformar em todos os lugares e terrenos, a pequena e media produção em grande e depois gigantes produção. Quando isso acontecia no capitalismo, gerava em seu seio, a classe operaria (despossuida) e a classe capitalista (dona da produção). Mas ao chegar um ponto, o capitalismo já não consegue fazer isso e a propria produção, seu desenvolvimento fica emperrado, travado e só se desevolve deformadamente (como uma planta cresceria dentro de uma lata, apertada, disforme, monstruosa). Assim é o crescimento da pequena produção durante a fase capitalista imperialista.
    e Conforme se sabe o sistema capitalismo teve o mérido de provar que a propriedade é algo superfluo, ou não é algo incondicional para a produção. Isso é uma verdade e como passa

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  3. Realmente Julia,

    infelizmente nossa história aponta sempre um lado derrotado, e mais, aponta o derrotado como errado. Será que sempre os vencedores certos? O colapso da economia mundial não abala o capitalismo, não abala o lado vencedor. Vitória de quem afinal? Latinos, Africanos, Asiáticos e até Europeus famintos que o digam. Vitória de quem?

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