Esse texto vai como um desabafo. Ontem à noite ouvindo a “Voz
do Brasil” escutei o Dep. Federal Ronaldo Caiado (DEM) falar contra o plebiscito da Reforma Política.
Seu argumento: o plebiscito vai tirar o foco das manifestações contra a
corrupção. Eu nunca tinha ouvido um
absurdo tão grande!!! Desviar o foco?? Um plebiscito é uma campanha constante
de um assunto na tv, nas ruas, nas casas, na vida das pessoas! Como um
plebiscito sobre a reforma política pode desviar o foco do debate das pessoas
sobre a falência das instituições políticas?
Na verdade, é justamente o contrário. Um plebiscito é lenha
na fogueira das manifestações! E, mais ainda, é o momento das mobilizações
avançarem para além das críticas superficiais à corrupção e se posicionarem concretamente com um projeto de sistema político para o país. Se nós manifestantes
não queremos intervir para alterar o sistema que gera a corrupção, então vamos
guardar nossos cartazes anti-corrupção, porque eles são infantis. Do contrário,
temos que exigir esse plebiscito. O Estado político no
sistema capitalista é uma instituição alienada do povo justamente pelo fato de
ser “privatizado” a cada nova eleição. Vivemos um sistema eleitoral pervertido,
no qual é preciso muita verba pra campanha, para pagar marketeiros, fazer material
gráfico, etc etc. Toda eleição é a mesma história: é o poder econômico quem
manda. É uma disputa de quem tem mais dinheiro. E quem paga as campanhas são
grandes empresários (por exemplo, máfia do transporte coletivo) que depois cobram a fatura interferindo contra as ações
legislativas e executivas que deveriam ser a favor do povo.
Pra romper com isso
é preciso uma reformulação do sistema. E é preciso que seja de baixo pra cima,
com o voto do povo, e por um motivo muito simples: o poder político está sob os
tentáculos desse poder econômico e precisa do aval do povo para romper o que é
necessário romper.
É no plebiscito, e não no referendo, que o povo indica o que deve ser feito antes de se fazer a lei. No referendo o povo pode apenas rejeitar uma lei. No plebiscito o povo indica o que quer mudar e depois o Congresso tem que fazer uma legislação de acordo com o que o povo escolheu. O plebiscito é a forma de consulta popular na qual o povo tem mais poder sobre o Congresso e por isso pode obrigar esse Congresso a uma radicalidade de Reforma Política que jamais será alcançada se for feita por esse próprio Congresso ou por via referendo.
O momento agora é de irmos para as ruas defender a Reforma
Política que queremos ver aprovada NO PLEBISCITO e não de lutar para que eles decidam sozinhos quais devem
ser as medidas de mudança estrutural desse sistema. Tem muita gente de esquerda
aí contra o plebiscito que repete o mesmo argumento da direita: o povo não está
preparado para votar certo. Mas sem a participação do povo via plebiscito essa Reforma Política vai ser enrolação! O pior é ver esse mesmo “povo” comprando esse discurso.
Não seriam contraditórios os manifestantes que chamam este sistema de corrupto e que querem deixar
para esse mesmo sistema o total controle da Reforma Política? Ora, se
o Estado político está alienado do povo e sendo usado em nome do bem privado, ou
bem o povo interfere para tomar esse Estado de volta ou ele continuará o mesmo.
E a arma possível hoje para o povo tomar o Estado de volta é o povo decidir neste plebiscito quais as medidas
para alterar o sistema em suas entranhas. O povo que optar por abrir mão de
intervir nesse sistema está optando por deixar o sistema alterar por ele mesmo,
o que não será possível. Sem o plebiscito as mudanças estruturais necessárias
jamais serão aprovadas!!! Uma Reforma Política Popular vai resolver tudo como uma mágica? Não. Mas sem ela nem saímos do lugar. A população pode votar de modo péssimo no plebiscito? Sim. Mas sem ele, com certeza o processo já está perdido. Por isso precisamos de um plebiscito sim! E precisamos disputar o seu resultado nas ruas!
O argumento do desvio de foco é desonesto por dois motivos
principais. Primeiro porque só é possível combater a corrupção profundamente
se for um combate em sua estrutura, ou seja, por uma Reforma Política POPULAR. Segundo
porque só é possível ganhar mais amplamente as causas em nome da educação,
saúde, direitos humanos, reforma tributária e reforma agrária se atrofiarmos o
máximo que pudermos o poder do sistema econômico sedento de lucro sobre o
sistema político, ou seja, se tivermos uma Reforma Política POPULAR. Terceiro porque só é possível fazer uma Reforma Política POPULAR via plebiscito. Fazer o plebiscito da Reforma Política não só não é tirar o foco como ainda é FOCAR MAIS INTENSAMENTE na essência
de todos problemas.
O argumento do despreparo do povo para um plebiscito é
desonesto também por dois motivos. Por um
lado, advém de uma direita que na
verdade não quer uma Reforma Política profunda e sabe que se tiver plebiscito
não terá como enrolar o povo. A ideia de um referendo no lugar do plebiscito tem o claro objetivo de
enrolar. De acordo com a OAB*, “no plebiscito, o povo é convocado antes da criação
do ato legislativo (...) No referendo, ele é convocado posteriormente, após a
aprovação de uma lei, por exemplo, pelo Congresso Nacional, cabendo ao povo
ratificar ou rejeitar a proposta legislativa (...) Aplicando-se as
definições
ao que foi apresentado pelo senador piauiense, no caso do referendo, o processo
seria ‘penoso’, ‘doloroso’, ‘espinhoso’ para a sociedade. O Congresso, por
exemplo, poderia ter ‘dois trabalhos’. Aprovar uma lei e depois essa mesma lei
ser rejeitada pela consulta popular do referendo.” Ou seja, o referendo poderia
enrolar o processo e aí sim, ir-se-ia perder o calor das manifestações de rua
que ocorrem agora.
Por outro lado, o argumento contra o plebiscito também advém
de uma esquerda idealista, que fala tanto em intervenção do povo, mas ao invés de defender a consulta popular e ir para as ruas defender uma Reforma Política radical, instiga a rejeição do povo ao próprio instrumento desta consulta do mesmo modo que a direita tradicional o faz.
Repito: não há como aprovar qualquer mudança estrutural sem
a intervenção do povo. E o plebiscito é essa intervenção hoje. Você teria visto tanta
gente debatendo desarmamento no Brasil se não tivesse existido uma consulta popular sobre o assunto?
Não. Imaginemos então um plebiscito da Reforma Política no calor da luta...
Estamos num momento de encruzilhada das mobilizações populares.
O plebiscito é um combustível para as manifestações, um combustível que
precisamos para sairmos do debate superficial e forçar para as mudanças estruturais tão necessárias no Brasil.
*Artigo: http://www.portalaz.com.br/noticia/geral/270925_artigodiferenca_entre_plebiscito_e_referendo.html